# Micologia e Movimentos Contemporâneos: Redes Miceliais e Práticas Transformadoras ## Micélio, Simbiose e Interdependência ![[50df6da8-9543-4eca-b636-e14b6fe3dac1.png]] Os fungos e suas redes miceliais têm se tornado metáforas e inspirações centrais em discursos críticos contemporâneos. Como destaca Yasmine Ostendorf (2023), “o enorme interesse popular no mundo dos fungos e do micélio testemunha sua tremenda ressonância como metáfora de novas formas de pensar, novos sistemas e comportamentos”[mitpressbookstore.mit.edu](https://mitpressbookstore.mit.edu/book/9789493246287#:~:text=The%20enormous%20popular%20interest%20in,ways%20of%20thinking%2C%20new%20systems). A organizadora social Adrienne Maree Brown defende a adoção de uma _organização micelial_: redes subterrâneas invisíveis que compartilham recursos e promovem resiliência coletivamente. A pesquisadora Berit Fischer (2024) observa que o micélio poderia ser visto como a “epítome do _simbioceano_” – redes orgânicas que escapam de entendimentos hierárquicos padronizados e desafiam lógicas capitalistas (https://beritfischer.org). ## Crítica ao Capitalismo e Antropocentrismo A perspetiva micológica crítica conecta-se fortemente à crítica do capitalismo e do antropocentrismo. Para Merrifield (2021), a ecologia cooperativa dos fungos nos ensina que “a verdadeira resiliência surge da cooperação, não da competição feroz”[andymerrifield.org](https://andymerrifield.org/2021/02/12/fungal-fantasies-dreams-from-underground/#:~:text=rejoinder%3A%20When%20we%20think%20about,hard%20competition.%20%5B1). Ele destaca que a simbiose micorrízica desafia a noção social dominante de competição individualista. Pensadores pós-humanistas seguem esse raciocínio: o filósofo Paul B. Preciado (2022-2023) propõe que uma **organização política simbiótica** aprenda com os fungos, “submergindo nas camadas profundas da Terra” e entrelaçando-se aos “filamentos e longas redes micorrízicas”[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=tamb%C3%A9m%20que%20a%20or%02ganiza%C3%A7%C3%A3o%20pol%C3%ADtica,filamentos%20e%20longas%20redes%20micorr%C3%ADzicas). Preciado enfatiza ainda que tanto o rizoma quanto o micélio ensinam a resistir pela “ruptura asignificante” (Deleuze & Guattari): cortados ou fragmentados, eles criam novas conexões e reorganizam a vida[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=mic%C3%A9lio%20ensinam%20a%20resistir%20com,se). Práticas concretas têm materializado essas ideias. No Brasil, o dossiê _Fungos, processos e poéticas de interdependência_ (ClimaCom 2023) reúne artigos que usam os fungos como metáforas de interconexão, propondo visões não-antropocêntricas de coletividade. Em campo ativista, organizações como o _Movement Generation_ (EUA) integram oficinas de micologia a seus encontros de formação política, experimentando a “força invisível” que alimenta redes sociais por meio do conhecimento fúngico. ## Arte, Coletivos e Movimentos Miceliais Vários artistas e coletivos assumem explicitamente a lógica micelial. Um exemplo notável é o coletivo dinamarquês **Mycelium** (desde 2016), cujo nome refere-se à parte subterrânea do fungo. O grupo atua de forma anónima e colaborativa – todos mascarados e sem autoria individual – negando propriedade intelectual egoísta e reforçando uma ética de trabalho em rede, assim como o micélio[arthubcopenhagen.net](https://arthubcopenhagen.net/en/profile/mycelium/#:~:text=Mycelium%20materialized%20in%20Denmark%20in,an%20Age%2C%20Sydhavn%20Theater%2C%202020). Em performances teatrais e publicações, eles abordam temas políticos e ecológicos em sintonia com valores miceliais de cuidado mútuo. Iniciativas culturais recentes também exploram a micologia como metodologia de aprendizagem transformadora. Em 2024, a _Floating University_ de Berlim ofereceu workshops de “Myco-Mediações” para “ativar pontos de conexão” em redes sociais contra a lógica extrativista do capitalismo (https://beritfischer.org). Nessas oficinas, práticas de cuidado conjunto e atenção à interdependência são inspiradas nas qualidades miceliais, fomentando estratégias comunitárias críticas e anticoloniais. ## Autores, Livros e Projetos Relevantes (2020–2024) - **Adrienne Maree Brown** (EUA) – Escritora e ativista. Em textos de 2023 e em _Emergent Strategy_ (2017), defende a _organização micelial_ como modelo de ação social cooperativa. Lições aprendidas com os fungos (como manter conexões estáveis e reter recursos na rede) são aplicadas a estratégias de justiça social[truthout.org](https://truthout.org/articles/four-insights-for-radical-organizing-from-the-mysterious-world-of-mushrooms/#:~:text=All%20of%20us%20who%20are,between%20trees%2C%20among%20other%20things). - **Yasmine Ostendorf-Rodríguez** (México) – Curadora e pesquisadora. Em _Let’s Become Fungal!_ (2023) ela analisa práticas indígenas multiespécies que imitam o micélio: economias baseadas em compartilhamento não-monetário, tomadas de decisão _bottom-up_ e alianças simbióticas. Ostendorf mostra como a metáfora micelial orienta propostas decoloniais de produção cultural e trabalho coletivo[mitpressbookstore.mit.edu](https://mitpressbookstore.mit.edu/book/9789493246287#:~:text=The%20enormous%20popular%20interest%20in,ways%20of%20thinking%2C%20new%20systems)[mitpressbookstore.mit.edu](https://mitpressbookstore.mit.edu/book/9789493246287#:~:text=while%20also%20examining%20the%20world,ways%20of%20working%20and%20being). - **Maíra Velho** (Brasil) – Antropóloga, editora do dossiê _Fungos, processos e poéticas de interdependência_ (ClimaCom 2023). Em seus textos ela explora como os fungos servem de metáfora poética de interdependência, conectando ciclos de vida distintos e inspirando percepções não-antropocêntricas das relações sociais[climacom.mudancasclimaticas.net.br](https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/uploads/2023/12/Fungos-processos-e-poeticas-de-interdependencia.pdf#:~:text=mic%C3%A9lios%2C%20micorrizas%20e%20milh%C3%B5es%20de,socioambiental%20%C3%A9%20um%20conjunto%20de). - **Paul B. Preciado** (França/Espanha) – Filósofo queer. Em _Dysphoria Mundi_ (2022) e ensaios (2023) defende o conceito de “simbionte político”, comparando redes sociais a redes miceliais e enfatizando a recomposição ecológica promovida pelos fungos em ambientes poluídos[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=tamb%C3%A9m%20que%20a%20or%02ganiza%C3%A7%C3%A3o%20pol%C3%ADtica,filamentos%20e%20longas%20redes%20micorr%C3%ADzicas)[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=mic%C3%A9lio%20ensinam%20a%20resistir%20com,se). - **Coletivo Mycelium** (Dinamarca, 2016–) – Grupo artístico-ativista. Opera anonimamente, recusando propriedade autoral, e realiza performances e textos sobre ecologia política[arthubcopenhagen.net](https://arthubcopenhagen.net/en/profile/mycelium/#:~:text=Mycelium%20materialized%20in%20Denmark%20in,an%20Age%2C%20Sydhavn%20Theater%2C%202020). Projetos como _Requiem for an Age_ (2020) incorporam temáticas ambientais e políticas sob uma ética de rede inspirada na micologia. - **Floating University – Mycopoetics** (Alemanha, 2024) – Programa educativo internacional. Ofereceu módulos sobre práticas miceliais, usando o micélio como modelo para exercitar empatia radical, cuidado mútuo e visão sistêmica contra a lógica extrativistaberitfischer.orgberitfischer.org. Outros exemplos incluem oficinas comunitárias de cultivo de fungos (em projetos de agrofloresta regenerativa), documentários e podcasts sobre redes miceliais urbanas, e pesquisa participativa de micorrizas em movimentos socioambientais. Todos esses trabalhos, muitos lançados após 2020, ilustram um **horizonte micológico** ativista emergente. **Conclusão:** Em resumo, a perspectiva micelial — centrada na interconexão, simbiose e regeneração — tem alimentado discursos e práticas que contestam o paradigma capitalista e antropocêntrico. Ao mobilizar metáforas de rede subterrânea e cooperação multiespécies[mitpressbookstore.mit.edu](https://mitpressbookstore.mit.edu/book/9789493246287#:~:text=The%20enormous%20popular%20interest%20in,ways%20of%20thinking%2C%20new%20systems)[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=mic%C3%A9lio%20ensinam%20a%20resistir%20com,se), pensadores e artistas contemporâneos imaginam coletividades mais horizontais e sustentáveis. A variedade de obras e iniciativas citadas evidencia um movimento crescente em que o micélio funciona como modelo inspirador de formas de vida e organização social alternativas. **Fontes:** Estudos e reportagens recentes[truthout.org](https://truthout.org/articles/four-insights-for-radical-organizing-from-the-mysterious-world-of-mushrooms/#:~:text=All%20of%20us%20who%20are,between%20trees%2C%20among%20other%20things)[mitpressbookstore.mit.edu](https://mitpressbookstore.mit.edu/book/9789493246287#:~:text=The%20enormous%20popular%20interest%20in,ways%20of%20thinking%2C%20new%20systems)[climacom.mudancasclimaticas.net.br](https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/uploads/2023/12/Fungos-processos-e-poeticas-de-interdependencia.pdf#:~:text=mic%C3%A9lios%2C%20micorrizas%20e%20milh%C3%B5es%20de,socioambiental%20%C3%A9%20um%20conjunto%20de)beritfischer.org[philarchive.org](https://philarchive.org/archive/AXTMSE#:~:text=mic%C3%A9lio%20ensinam%20a%20resistir%20com,se)[arthubcopenhagen.net](https://arthubcopenhagen.net/en/profile/mycelium/#:~:text=Mycelium%20materialized%20in%20Denmark%20in,an%20Age%2C%20Sydhavn%20Theater%2C%202020) documentam essas tendências em publicações acadêmicas e de divulgação (ClimaCom, MIT Press, _Truthout_, etc.). As ideias aqui apresentadas derivam diretamente das citações acima.